terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Eternidade

No sendeiro que levava ao vilarejo de pequenas casas com as janelas floridas lambuzadas pelo jogo de luzes e sombras com que brincava o sol das manhãs de verão, o velho homem rabiscava o chão com o dedo quando ouviu uma antiga poesia sendo entoada em forma de cantiga por uma voz que lhe pareceu conhecida.
Sentiu os passos leves aproximarem-se e deterem-se diante dele, mas não interrompeu seus rabiscos e sequer levantou os olhos.
Minutos de silêncio foram seguidos pela voz suave da menina: "Pode o amor ser eterno?"
Nova pausa, os rabiscos continuavam como se nada nem ninguém estivesse ao seu lado.
Ela insistiu: "Como podemos tornar eternos os melhores momentos das nossas vidas?"
Mais que as perguntas, a voz e a amorosa forma de falar da menina estremeceram o coração daquele ser errante que não ousava entrar no vilarejo e passava os dias a rabiscar na areia mensagens indecifráveis, esburacadas aqui e ali por algumas lágrimas caídas, ora iluminadas pelo sorriso do velho homem.
Ele se deteve. Levantou lentamente os olhos e contemplou a imagem da menina-moça, cujos cabelos banhados pelo sol formavam uma aura que envolvia aquele rosto angelical com olhar brilhante e sorriso tímido.
Ele suspirou e com a voz tranquila respondeu: "Teus momentos são eternos quando, já distantes na senda do tempo, aquecerem teu coração e renovarem-se indefinidamente dentro de ti pela saudade. Saberás que é o amor que pulsava e pulsa eternamente em tuas veias quando nas lágrimas de saudade sentires o mesmo gosto das lágrimas vertidas na felicidade pretérita e te brotar na face um sorriso livre. Então viverás eternamente esse amor."
Por entre as lágrimas que rolavam pelo rosto enrugado daquele velho ser, seu olhar sorria, como costumam sorrir os olhares dos velhos nessas ocasiões.
Nada respondeu a jovem, cuja imagem etérea apenas sorriu e foi-se aproximando para acolher num abraço o espírito rejuvenescido do velho e levá-lo a passear de mãos dadas pelas estrelas, como eles sonharam desde sempre.