quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Insano

Viagens etéreas, eternas,
desde sempre, desde nunca,
a razão dos começos é o próprio fim.
Os meios não justificam os inícios,
e aos fins, que lhes importam os meios?
Nos cantos dos círculos escondem-se formas disformes.
Grita o silêncio, sussura o ódio,
desfaz-se o amor na indiferença.
Arrastam-se tristes nos porões pantanosos,
povoados de vidas revividas.
Sacam forças do âmago do seu ódio
e, do pântano angustiante,
lançam-se às alturas, mesclados a fantoches de carne
para viverem, sorrirem, odiarem, amarem...
Então o amor lhes arranca a essência.
Sem essência são inertes fantoches de pó.
Novamente nos lodaçais, voltam às velhas formas
e ruminam sua penúria.
Misturam-se almas e lama.
Inalam ódio e lançam-se novamente às alturas.
Pela força do ódio sorriem, enternecem, trabalham, amam,
olvidam-se do próprio ódio.
Então o amor os lança novamente às profundezas:
eram fantoches sorridentes,
disformes rangerão dentes,
voltarão a amar irremediavelmente.
Por que o amor insiste fazer-se odiar?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Viagem

Perguntei à imensidão do espaço:
- Aonde levarei minha vida agora?
O silêncio da noite, em sua sabedoria,
respondeu com a brisa fresca,
com a luz das estrelas,
com o romantismo da lua
semi-escondida por nuvens esparsas:
"Nenhures, filho meu.
Não poderás conduzir aquela que te conduz,
mas teus atos podem orientar essa condução."
Meus sentidos se abriram
ao estrilar de grilos, coachar de sapos,
pios de corujas, farfalhar de folhas ao vento.
O vento transportava o perfume e o pólen entre as flores,
num bailado sensual, como amor feito à distância...
Despertei. Embarquei na vida e deixo que me leve.
Aproveito a viagem
prestando atenção à paisagem,
sem me importar com o destino.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Eternidade

No sendeiro que levava ao vilarejo de pequenas casas com as janelas floridas lambuzadas pelo jogo de luzes e sombras com que brincava o sol das manhãs de verão, o velho homem rabiscava o chão com o dedo quando ouviu uma antiga poesia sendo entoada em forma de cantiga por uma voz que lhe pareceu conhecida.
Sentiu os passos leves aproximarem-se e deterem-se diante dele, mas não interrompeu seus rabiscos e sequer levantou os olhos.
Minutos de silêncio foram seguidos pela voz suave da menina: "Pode o amor ser eterno?"
Nova pausa, os rabiscos continuavam como se nada nem ninguém estivesse ao seu lado.
Ela insistiu: "Como podemos tornar eternos os melhores momentos das nossas vidas?"
Mais que as perguntas, a voz e a amorosa forma de falar da menina estremeceram o coração daquele ser errante que não ousava entrar no vilarejo e passava os dias a rabiscar na areia mensagens indecifráveis, esburacadas aqui e ali por algumas lágrimas caídas, ora iluminadas pelo sorriso do velho homem.
Ele se deteve. Levantou lentamente os olhos e contemplou a imagem da menina-moça, cujos cabelos banhados pelo sol formavam uma aura que envolvia aquele rosto angelical com olhar brilhante e sorriso tímido.
Ele suspirou e com a voz tranquila respondeu: "Teus momentos são eternos quando, já distantes na senda do tempo, aquecerem teu coração e renovarem-se indefinidamente dentro de ti pela saudade. Saberás que é o amor que pulsava e pulsa eternamente em tuas veias quando nas lágrimas de saudade sentires o mesmo gosto das lágrimas vertidas na felicidade pretérita e te brotar na face um sorriso livre. Então viverás eternamente esse amor."
Por entre as lágrimas que rolavam pelo rosto enrugado daquele velho ser, seu olhar sorria, como costumam sorrir os olhares dos velhos nessas ocasiões.
Nada respondeu a jovem, cuja imagem etérea apenas sorriu e foi-se aproximando para acolher num abraço o espírito rejuvenescido do velho e levá-lo a passear de mãos dadas pelas estrelas, como eles sonharam desde sempre.

Cantiga de amor

Cántiga para un amor verdadero
(...)
Quisiera que esas palabras
llevadas por mi voz
bailaran en tus oídos,
acariciaran tu alma
y tocaran tu corazón.
Quisiera que mi voz
te llevara el sentimiento
y despertara una sonrisa tuya,
para mi regalo
y para que yo me perdiera
y me encontrara
en la luz de tu mirada.

"Volver a los diezisiete" - Mercedes Sosa y Milton Nascimento

Saudade do Futuro

Beijo, desopilado, tua boca, teu sexo, tua alma
como tenho feito por séculos.
Recordo meu corpo lançado
do topo da montanha...
Enquanto o vento frio roça minha pele
e me acompanha na curta viagem
do topo até a base
Para recomeçar...
"Não se esqueça de mim" - int. Nana Caimmy e Erasmo Carlos

Notalgia del futuro
Beso desopilado tu boca, tu sexo, tu alma
Como lo he hecho a través de los siglos.
Acuerdo de la caída de mi cuerpo
de la montaña
El viento frio toca mi piel
y me sigue en el ligero viaje
desde la cumbre
hasta la base,
para recomenzar...

Vida II

Quão preciosa és, minha vida!
Me sorris, machucas, consolas,
me convidas a viver.
Graciosas ilusões, desilusões,
encontros, desencontros,
passado, presente, porvir...
Encantadora és tu, vida minha!
Me amas, acaricias, golpeias
e eu te convido a viver!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Segredos

Notívagas
estrelas!
Iluminai-me
até que eu
transpasse
estas
amarras.
Mostrai-me
o caminho!

Saudade

Não há palavra em qualquer outro idioma para descrever um dos mais belos e cruéis sentimentos, que açoita ao mesmo tempo que ampara a alma humana: Saudade! O maior dos sofrimentos, como disse Neruda, nunca haver sofrido. É não ter do que sentir saudades.

"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido."

(Pablo Neruda)


*****

La versión original en Español:

"Echar de menos es una soledad acompañada.
Es cuando el amor no se ha ido pero el amado si.
Echar de menos es amar un pasado que no pasó,
es recusar un presente que nos duele,
es no ver el futuro que nos invita.
Echar de menos es sentir que existe lo que no existe más.
Echar de menos es el infierno de los que perdieron,
es el dolor de los que se quedaron atrás,
es el gusto de la muerte en la boca de los que se quedaron....

Solo una persona desea echar de menos: Aquella que nunca amó.
Y ese es el mayor de los sufrimientos:
No tener a quien echar de menos, pasar por la vida y no vivir.
El mayor sufrimiento es nunca haber sufrido!"

(Pablo Neruda)

Quem ama

Quem ama não aprisiona, não subjuga, não menospreza, não inferioriza o outro.
Jamais está à sua frente: sempre caminha ao seu lado.
Quem ama briga e repreende, mas conforta, apóia e sobretudo respeita, sem perder o respeito por si mesmo.
Quem ama às vezes erra: ofende, exagera em uma crítica, não escuta, não cala quando basta um olhar...
Mas quem ama sempre dispõe de um sagrado remédio: o arrependimento.
Quem ama sabe pedir e pede perdão. E precisa pedir, pois mesmo quem ama não é perfeito.
Quem ama tem eterna disposição para perdoar, sem humilhar-se, sem ser subserviente.
Quem ama, ama o outro sem que esse amor exceda o amor próprio!
Quando o amor próprio é menor que o amor dedicado à pessoa amada, esse amor e nós mesmos morreremos vazios.
Quem ama, ama o outro quando se afasta,
e o ama mesmo sem nunca ter estado próximo...