quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Chuva

Os pingos de chuva desenhavam mensagens nas janelas. Falavam de amores antigos, dos bons tempos idos, de saudades, desejos, ausências, alegrias, tristezas...
Cada gota era como um retalho de vida, de ilusão, de sonho e de esperança. Os retalhos se sobrepunham, se misturavam e escorriam pela vidraça.

A cadência dos pingos na grama recém aparada entoava cantigas de roda, imitava risadas contidas de crianças brincando na chuva escondidas dos pais. O cheiro da terra molhada transformava os lamentos em murmúrios e gemidos de uma felicidade igualmente contida no peito e na boca, que o brilho dos olhos daqueles seres inventados pela chuva gritava mais alto que os trovões e eram mais claros que os relâmpagos que riscavam o céu.

Os últimos pingos golpeavam telhas e calhas repetindo antigas mensagens sem pronunciar palavra, num idioma estranho. Diziam à alma que há amores que se engrandecem e se expandem na proporção da ausência e da distância física entre os amantes, mas fenecem como delicadas flores fustigadas pelo sol quando submetidos à rotina. Como o sol que aquece e ilumina, mas em excesso resseca e mata a relva, também a rotina mata o amor, diziam.

A alma respondeu que o verdadeiro amor, em sua plenitude, se parece à rotina, mas é uma rotina de autoalimentação que o faz eterno, como eterno é o espírito. E a chuva calou...